sábado, 21 de novembro de 2020

O casal do semáforo




Da janela da praça de alimentação do shopping, vejo algo lá fora, mais precisamente ao lado da sinaleira: um grupo de trabalhadores de rua (eu na minha bolha, não sei nem como chamar a sua função). Tento manter minha leitura do Memorial do Convento (José Saramago), mas tal ato torna-se impossível competindo com o encanto daquelas pessoas. Eu sempre fui aficionada pelo seres humanos e por observá-los, por isso fiquei quase duas horas investigando aqueles jovens. Alguns podiam ter minha idade, mas nenhum chegava aos trinta. 

Me perguntei: quando teriam decidido se tornarem artistas de rua? 

Dali algum tempo, o grupo se dispersou, permanecendo no meu raio de visão apenas um casal de malabaristas. Pude perceber que ela, ruiva com moicano de dreads, estava iniciando nesse caminho, pois seu companheiro dava-lhe lições e mostrava como ela deveria fazer. 

Eles transpiravam liberdade. Eu não conseguia tirar os olhos daqueles dois. 

Durante todo o tempo em que fiquei obcecada por eles, ao passarem em meio aos carros, não ganharam nenhum centavo e quando o sinal abria, eles voltavam para a calçada e se beijavam, se abraçavam, sem nenhum sinal de frustração. Em seguida, eles emendavam um treino. 

Eles faziam um malabarismo entrelaçado, eles estavam livremente emaranhados. 

Eles davam beijos um no ombro do outro. Eles riam muito, eram extremamente tranquilos. Eles erravam muitas vezes aqueles números que ensaiavam e estava tudo bem. E muitas vezes a sinaleira fechou e eles não se apresentaram, porque eles não tinham pressa, eles não tinham ganância.